sábado, dezembro 01, 2007

Dias chuvosos

É engraçado o efeito que dias chuvosos têm sobre minha pessoa. Não que eu fique o dia inteiro chorando, ou que comece a espirrar incontrolavelmente, ou que sinta um desejo inexplicável de comer brigadeiro de morango com refrigerante de salsa, ou algo assim. Mas tendo a ficar confortavelmente melancólica, e a fazer algumas comparações extremamente despropositais e nostálgicas.

Há dias em que simplesmente me deixo ficar sentada, observando a chuva por uma janela ou pela varanda aqui de casa. Nesses dias, me sinto particularmente solitária, e, estranhamente, isso não é de todo desagradável. Por algum motivo, isso me faz lembrar de uma vez em que eu estava no Maximme's (não o motel, aqui em Salvador, já que nunca entrei num motel pra fazer qualquer coisa que pessoas costumem fazer em motéis - incluindo assistir jogos da copa e comer batatas fritas -, e sim a boate, que não sei se ainda existe, em algum dos andares superiores do Rio Sul.)

Não tenho certeza se cheguei a ir lá mais de uma vez, na verdade. Talvez pelo excesso de álcool e drogas consumido na minha não-tão-distante adolescência, talvez pelo processo pós-traumático seguinte à perda da minha mãe, mas quase toda a minha vida antes dos 17 anos me parece deveras nebulosa. Mas divago.

Não me recordo se chovia nesse dia específico. Mas minha memória tende a flutuar para um corredor - que nem mesmo estou certa de que exista - de paredes avermelhadas, que, se não me engano, tinha algumas poltronas meio aveludadas, sei lá. E há muita, muita fumaça - embora eu esteja quase certa de que não era permitido fumar nas matinês, mas vai saber. Tenho certeza de uma garota de cabelo vermelho com uma blusa de estampa listrada preto-e-branco. Tudo parece um filme, algo meio Twin Peaks, embora eu não tenha assistido mais que alguns poucos minutos do filme no Youtube.

Então, passo por uma parte que me parece meio bar-restaurante, e o ambiente é todo meio cinzento, azulado e metálico. Atravesso portas de vidro e chego a uma varanda. Está escurecendo, e o céu está totalmente nublado, daquele cinza-chumbo tão comum a escureceres chuvosos. Fico perambulando pela varanda, praticamente vazia, graças ao mau tempo, e me sinto estranhamente bem, talvez pelo ar leve, talvez pela altura.

Nesse momento, minha mente esquisita faz mais uma associação despropositada: me vejo no lugar de Nicolas Cage, em Cidade do Anjos, bem na hora em que ele sobe naquela construção e despenca lá pra baixo. Só que eu não despenco lá pra baixo: só fico em pé, no parapeito da varanda, curtindo o que um ex-namorado muito querido costumava chamar de "crises de serafim", que seriam precisamente esses momentos em que nos sentimos bem parando em lugares extremamente altos e perigosos (pelo menos, perigosos para quem não sabe voar), no meio da chuva. Daí eu acordo do meu devaneio, e vou procurar algo de mais útil para fazer.

Há outros dias de chuva em que o chuvisco me pega caminhando, sem guarda-chuva e, como era de se esperar, graças à lei de Murphy, sem agasalhos ou qualquer coisa que ofereça alguma proteção às intempéries climáticas. Normalmente, de camisetinha-de-barriga-de-fora e bermuda/short/minissaia. Nesses dias, por algum motivo, me vem o Garage à mente.

Vejo as construções um tanto decrépitas do lugar ao meu redor. O céu, como sempre, daquele vermelho acinzentado. A chuva cai de leve, e me vejo vestindo, como tantas vezes vesti para ir lá, uma calça de moletom-stretch azul (que, imaginem, não vejo há anos!), uma parte de cima de biquíni (essa eu tenho certeza de que já foi para o lixo) e uma blusinha preta de botão, com só o botão do meio do peito fechado (hoje, o peito cresceu tanto que a blusa não fecha mais). O Garage está estranhamente deserto, silencioso e inodoro, e caminho do Heavy Duty até a escadaria da linha do trem.

Não faço nada, a não ser sentir a chuva molhando meu corpo, fazendo com que meus cabelos pinguem e minha maquiagem escorra. Sinto-me estranhamente leve, como se a chuva lavasse minha alma e levasse embora a energia depressiva do lugar. Sento-me no meio-fio, de frente para o murão mais perto da escadaria, e fico olhando para o velho casarão, que sempre tinha uma única lâmpada acesa no segundo andar, mas rezavam as lendas que era abandonado. Sempre quis ir lá, mas tenho certeza de que, hoje em dia, morreria de medo.

Então, na caminhada "no mundo real", chego a meu destino, e paro de devanear.

E é extremamente estranho eu ter pensado nisso e decidido escrever a respeito, visto que hoje não é uma noite chuvosa.

Algum de vocês também tem dessas, de associar situações aleatórias com coisas ainda mais aleatórias?

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